Na noite desta quarta-feira, foi divulgado o relatório final da CPI da Saúde, em Laguna. O parecer da relatora, a vereadora Deise Cardoso (MDB), foi de que houve superfaturamento e fraude na licitação para aquisição dos kits de higiene bucal. Além desses crimes, foi apontado também uma organização criminosa envolvendo membros do executivo e empresários.
Aprovado por dois votos a um, o relatório irá para votação em plenário na próxima segunda-feira, dia 8 de janeiro, às 19h15.
Junto com o relatório, foram divulgadas também as oitivas realizadas pela Comissão. Ao todo, foram vinte e três testemunhas ouvidas, incluindo o prefeito, seu vice, secretários de Saúde e Fazenda, empresários e outros envolvidos.
Através do Relatório Final da CPI, doze pessoas foram indiciadas, são elas:
o Prefeito Samir Ahmad;
o Vice-Prefeito Rogério Medeiros;
a ex-Secretária Adjunta de Saúde, Silvana Vieira;
a ex-Secretária de Fazenda, Claudia Bonazza;
a pregoeira, Elaine de Jesus Delfino;
o Procurador Geral do Municipio, Norton Mattos;
o assessor jurídico, Gustavo Henrique;
o proprietário da empresa vencedora da licitação, Roberto Carlos Alves.
a representante da Bella Lousa, Graziela Laureano
a ex-esposa de Roberto Alves e sócia de uma das empresas favorecidas, Jaqueline Rufino de Andrade
a sócia da empresa Educare, Claudia Mara Romagna;
o proprietário da empresa Organizando Viagem e Cultura, Fernando Silveira
O que falou o Prefeito?
Samir Ahmad foi ouvido ainda no primeiro dia de oitivas. Primeiramente, foram feitas as “perguntas padrão”, realizadas para todos os intimados.
O prefeito foi questionado sobre a sua relação com o ex-vereador e empresário Roberto Carlos Alves, onde afirmou serem amigos e que Alves participou da sua campanha para a prefeitura. Além disso, citou uma viagem que fizeram juntos para a Itália, mas afirmou não ter conhecimento de que Roberto era dono da Bella Lousa (empresa vencedora).
Roberto Alves é um dos pontos-chave da investigação, além de ser dono da empresa vencedora da licitação, é apontado pelo relatório como o “mentor” da suposta organização criminosa.
Sobre o conhecimento da aquisição dos kits, o prefeito negou. Segundo o chefe do executivo lagunense, apenas soube do caso após o vídeo publicado pelo vereador Kleber Roberto Lopes.
Ele confirma que a Secretária Adjunta de Saúde, Silvana Vieira – que ocupava o cargo como titular da pasta no momento da aquisição dos kits – foi indicação sua. Samir relata a experiência da ex-adjunta dentro da Saúde de Capivari de Baixo como algo que tornava ela preparada para o cargo.
Quanto à relação com o vice-prefeito, Rogério Medeiros, Samir afirma que deu “carta branca” para que ele pudesse tomar as decisões administrativas no município, inclusive para realizar nomeações e exonerações. Além dessa “carta branca”, Samir também declarou que pela experiência prévia na área, deixou que o vice-prefeito cuidasse da Secretaria de Saúde.
Quando questionado se foi um erro confiar a administração ao vice-prefeito, Samir respondeu: “Ainda é cedo para eu julgar, mas se eu tenho um defeito, é esse. Eu confio demais nas pessoas”.
Ele continuou: “Eu acho que as pessoas pensam e são da mesma forma que eu penso e sou. Às vezes a gente se decepciona […] Infelizmente, na situação da administração da Prefeitura, da Fazenda em especial, todos os aumentos de salário, todos os bônus, todos os benefícios, precederam sempre um estudo de impacto, e esse estudo de impacto que me apresentavam sempre era surpreendentemente positivo, por isso que eu sempre assinava e concedia… Agora nós estamos pagando o preço”
Todas essas afirmações foram negadas pelo vice-prefeito em seu depoimento.
Sobre a folha de pagamento da prefeitura, foi divulgado por ele que estava próximo de 8 milhões de reais.
No fim do seu depoimento, questionado sobre a situação financeira do município, o Prefeito afirma que soube dos problemas quando começaram a surgir as cobranças vindas de fornecedores.
O que falou Rogério Medeiros, o vice?
Assim como o Prefeito Samir Ahmad, ele afirma ter tomado conhecimento sobre o projeto a partir do vídeo feito pelo vereador Kleber Lopes. Ele ainda cita que após tomar ciência dos fatos, buscou a procuradoria para que ela realizasse uma apuração interna.
Silvana Vieira, secretária titular da pasta na época da aquisição dos kits, afirmou ter levado ao vice-prefeito o projeto, contrariando a versão de que ele não sabia de nada.
Afirma conhecer o ex-vereador e empresário Roberto Carlos Alves, pois ambos foram vereadores na mesma legislatura.
Assim como o Prefeito, ele disse desconhecer que Alves seria o dono da empresa Bella Lousa.
Quando questionado sobre sua participação nas decisões administrativas do município e em como Laguna tem lidado com a investigação, Rogério afirmou: “A minha caneta não tem tinta. Eu sou o vice-prefeito […] Eu garanto que, se eu fosse prefeito, não seria assim”.
O vice-prefeito ainda garantiu que o único cargo de confiança que tem na prefeitura é o da sua assessora. Segundo ele, todas as indicações são do prefeito, ele apenas aconselha nas decisões.
Por fim, negou as acusações da ex-Secretária de Fazenda, Claudia Bonazza, de que havia pressionado a contadora para que realizasse o pagamento e também negou as afirmações do Prefeito Samir Ahmad de que existia um acordo para que ele administrasse a Secretaria de Saúde.
O depoimento dos ex-Secretários de Saúde
Neste ano, três gestores passaram pela pasta da Saúde em Laguna: Gabrielle Siqueira, Silvana Vieira e Jadson Fretta. (Atualmente a pasta se encontra sem um gestor)
Gabrielle Siqueira, secretária titular da pasta durante quase todo o ano de 2023, estava de licença maternidade durante o processo licitatório dos kits.
Foi convidada pelo prefeito Samir Ahmad para assumir a Saúde. Em maio deste ano, se filiou ao PSD por convite do vice-prefeito Rogério Medeiros.
A ex-gestora afirma – e esse relato é confirmado pela contadora da Saúde – que recebeu apenas a última remessa dos kits, por notar divergências entre a nota e o material recebido, se recusou a realizar o pagamento inicialmente. Após ter todo o material entregue, a última parcela – de cerca de 200 mil reais – foi paga.
Ela concluiu o depoimento falando sobre a situação financeira grave que a Secretaria de Saúde enfrenta. Segundo ela, a pasta acumula dívidas de 5 milhões de reais com fornecedores e não recebe repasses da Secretaria de Fazenda desde setembro.
Jadson Fretta, funcionário de carreira da Vigilância Sanitária, foi escolhido para assumir a Secretaria de Saúde após as exonerações de Gabrielle e Silvana.
Dentre os três, teve o depoimento mais curto.
Sua participação no processo se dá apenas por ter sido ele o responsável por solicitar que todos os kits fossem recolhidos após a fiscalização apontar que os cremes dentais estavam fora da validade.
Esteve na Secretaria por apenas 30 dias no final de 2023.
Silvana Vieira, ex-Secretária Adjunta de Saúde, assumiu a pasta por quatro meses, período onde Gabrielle esteve ausente das funções em razão da licença maternidade.
Assim como Gabrielle, foi indicada pelo Prefeito Samir Ahmad.
Em seu depoimento, sinaliza que não tinha experiência na gestão pública antes de assumir como adjunta da pasta.
“Devido à minha falta de experiência, eu não vi nada de erro” afirmou quando questionada sobre o processo licitatório dos kits de higiene bucal.
Em relação a compra não ter passado anteriormente pelo Conselho Municipal de Saúde, ela relatava que não sabia que os projetos deveriam ser aprovados previamente pelo conselho.
Silvana relata que conheceu o projeto através de Graziela Laureano, companheira de Roberto Carlos Alves e representante da empresa Bella Lousa. Na época, ela pretendia implementar o projeto dentro do Programa Saúde nas Escolas.
“No dia da apresentação do projeto, não foi falado em um valor para os kits” Afirma a ex-adjunta. Silvana ainda relata que não se recorda de ter visto o valor dos kits unitários e da licitação.
Ela afirma não ter apresentado o projeto para o Prefeito Samir Ahmad, mas que para o vice, Rogério Medeiros, como ele estava mais presente na Secretaria de Saúde, ela teria conversado sobre os kits.
A ex-secretária adjunta concluiu seu depoimento afirmando que ainda não sabia o motivo da sua exoneração, pois, na sua visão, teria realizado os trâmites corretamente.
O depoimento da Contadora
Karine de Oliveira é funcionária da Prefeitura de Laguna há 25 anos e atua como Contadora da Secretaria de Saúde.
Iniciou afirmando que não conhecia o ex-vereador Roberto Carlos Alves, mas conheceu sua companheira em uma visita realizada por ela à Secretaria de Saúde.
Sobre o processo de aquisição dos kits, Karine relata que não havia dotação orçamentária para que fosse realizado o investimento de 1.2 milhões de reais. Para viabilizar a compra, foi liberado um crédito adicional via decreto.
Em 25 anos de Prefeitura, Karine afirmou nunca ter visto uma licitação acontecer de forma tão rápida.
A contadora explica que inicialmente negou a realização do pagamento de imediato, pois existe um prazo de 30 dias para o primeiro pagamento, e caso ele fosse realizado na ocasião, poderia prejudicar os funcionários que estavam para receber seus vencimentos. Segundo Karine, ela foi pressionada pela Secretária Adjunta, que afirmou que eram “ordens do gabinete do prefeito”. Por fim, apesar de efetuar o empenho e pagar, a contadora não assinou.
Poucos dias após o primeiro pagamento, a então pregoeira Claudia Bonazza, solicitou que o segundo repasse fosse feito. Em um intervalo de três dias, a primeira e a segunda nota foram pagas, totalizando um valor aproximado de 1 milhão de reais.
Quando chegou a terceira nota, no valor de 200 mil reais, quem estava à frente da saúde já era a secretária titular, Gabrielle Siqueira, que se recusou a fazer os pagamentos após avaliar que faltavam alguns kits. Após o envio da última remessa, o pagamento foi realizado.
O depoimento da ex-Secretária de Fazenda
Ex-Secretária de Fazenda (assumiu em agosto/2023 e esteve à frente da pasta por dois meses)
Assim como outros secretários citados anteriormente, foi chamada para a Secretaria pelo Prefeito Samir Ahmad.
Sobre seu envolvimento no processo de aquisição dos kits, relatou que ainda não era Secretária de Fazenda e não participou das compras. Porém, como pregoeira – agente responsável pelo pregão eletrônico no setor de licitações – ela foi solicitada algumas vezes para auxiliar a Secretária de Saúde, Silvana Vieira. A ex-secretária explicou inclusive que ajudou na produção do termo de referência dos kits, conforme pedido pela Secretária.
Claudia rebateu as acusações da contadora da Prefeitura, Karine de Oliveira, que afirmou que havia sido pressionada por Claudia – que ainda atuava como pregoeira – para que o pagamento fosse realizado.
Segundo Claudia, ela estava auxiliando a contadora na realização dos pagamentos à pedido do vice-prefeito, e que, se havia alguém pressionando a contadora, era Rogério Medeiros.
Ainda relatando a participação do vice-prefeito dentro das decisões da administração pública, ela declarou: “O prefeito Samir, se ele errou em alguma coisa, foi terceirizando seu cargo para o vice”.
Antes de ingressar no setor de licitações como pregoeira, ela explica que era dona de uma microempresa que prestava serviços para empresas de transporte público da região. Quando assumiu o cargo no funcionalismo público, buscou, junto de sua contadora, vender a empresa. A compradora da empresa foi Graziela Laureano.
Meses após a compra, a nova proprietária transformou a empresa em uma editora.
Bonazza conclui seu depoimento falando sobre os desafios enfrentados pela Secretaria e o caos financeiro que vive a cidade: “Nós temos um município que arrecada 10 milhões, deve 14 e a conta só aumenta”.
Texto Por: Eduardo Fogaça.